A busca por criar um mundo alienado para as crianças pode ser uma das razões de resistência do staff do judiciário em adotar a guarda compartilhada e o projeto de guarda compartilhada que, mesmo depois de sancionado, deve mudar pouco essa realidade, posto que ainda estará nas mãos dos mesmos juízes o arbítrio do que é melhor ou pior para a criança e essa é a prerrogativa máxima posta tanto na lei atual como no novo projeto.
Podemos entender da seguinte forma:
Existe no imaginário da maioria população o ideal de uma família pequeno-burguesa feliz, do tipo propaganda de margarina, que em momento algum da história da humanidade existiu de fato, exceto em nossos desejos, em nosso imaginário.
Somado a isso, existe a crença na criança como uma tábula rasa, onde os pais e educadores vão escrever sua história, pois a vêem como objeto e não enquanto sujeito. A criança é tratada como um quase ser, uma quase pessoa. Alguém que existe e deve aprender a obedecer comandos, mesmo em meio à maioria das escolas que se dizem construtivistas.
Some-se a isso a crença de que a família é a base da sociedade e que segundo muitos essa sociedade está sofrendo um processo de degringolação (com o que eu não concordo) e isto está acontecendo por conta da desestruturação da família (do que eu também discordo).
Juntando tudo, a guarda monoparental e a presença esporádica do genitor não guardião existe com o objetivo de criar um simulacro de família pequeno-burguesa perfeita para essa criança, assim a sociedade está sendo preservada, pois que se for diferente, sua referência de lar será perdida. Para o que é muito simples substituir a palavra lar por ideal de família pequeno-burguesa e a origem do problema é claríssima.
Muitas mães e pais também querem defender essa alienação da criança, querem que a criança cresça num lar dito normal, ajustado. Sentem muita culpa por terem se separado e se defendem disso com o argumento de que são capazes de prover sozinhos ou sozinhas esse lar intacto, o que a presença do outro genitor e sua nova família apenas denuncia, quebra, rompe. Ou seja para quem pensa dessa forma, a alienação parental é até necessária para proteger a criança e, em última instância, a sociedade.
Em muitos casos o pai ou mãe não guardião se vê como mais competente para criar este simulacro de realidade que o outro, então quer a guarda para si.
Poucos aceitam de fato, que o ideal é que a criança vivencie intensamente a realidade da qual faz parte, ou seja, que integra uma família bi-nuclear, que papai e mamãe não se amam e, às vezes, nem se respeitam, pois é esse convivio com a realidade que proporcionará seu crescimento. Que a sua relação com seu pai e sua mãe independente de serem bons, maus, presentes ou ausentes é que vai prover sua primeira rede de sustentação perante o mundo.
Se ela precisa de ajuda para encarar esse desafio, como muitos precisamos em muitos momentos de nossas vidas, então essa ajuda deve ser oferecida através de profissional, psicoterapeuta infantil (ou para adolescentes) que seja um bom conhecedor das questões relativas aos filhos de pai e mãe separados.
O atual instituto da guarda e da visitação ao genitor não guardião não refletem nada além de nosso hábito de tentar tapar o sol com a peneira. De tratar nossas crianças como imbecis incapazes de se adaptar ao mundo em que vive. O que também pode ser considerado enquanto um esforço inconsciente em os tornar realmente imbecis, incapazes de alcançar sua própria autonomia enquanto indivíduos, posto que desta forma o pai ou a mãe sempre lhe serão importantes e necessários, uma vez que não poderão viver sem sua "ajuda".
E que não se pense que isso se muda fácil. Tenha-se a certeza que muitos estudantes de direito de hoje em dia, que vão se tornar juízes amanhã, saem das faculdades sem fazer qualquer reflexão quanto a isso e, mesmo assim, vão se tornar juizes de vara de família, posto que o que vivemos é apenas isso, a vitória do pragmatismo em detrimento da reflexão, só que quando se é vítima o pragmatismo é ruim, quando dele se tira proveito, torna-se um excelente aliado.
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