sábado, maio 28, 2005

1984...Orwell

É interessante, eu não tenho um posicionamento político claramente definido ou, ao menos, não me sinto capaz de me situar exatamente em nenhum lugar específico. Eu sinto como se flutuasse conforme o local, entretando, se eu estou engajado em um movimento social, lutando por uma causa, eu acabo me tornando bem radical, radicalmente a favor das decisões consensuais, do fluxo intenso de informações, da liberdade de expressão e de informação e da certeza de que heróis são mera construção ficcional, mera encenação, que aplaude quem quer.

Da minha parte, eu estou pouco de lixando se um porco qualquer (no sentido do filme, claro) tem uma percepção de si mesmo extremamente distorcida negativamente, no popular, se tem sua auto-estima no chinelo.

Sou radical em condenar com a mesma veemencia aqueles que se fazer algozes de uma causa e que atuam segundo os mesmos preceitos daqueles que desejam depor. Não há como não fazer referência direta à nossa história recente, século passado e afirmar: não há diferença relevante para mim entre Stalin e Franco, apenas para pegar os dois como exemplos de autoritarismos de direita ou de esquerda que podem muito bem ilustrar as partes do movimento que hoje integro.

É claro que esse radicalismo me torna indesejado tanto para Stalin, quanto para Franco e teria que fugir para algum país distante e viver em alguma comunidade alternativa de minha metáfora, mas como é do meu feitio, eu prefiro esperar minha senteça de banimento das terras de Stalin e que não me convidem para nenhum pais em que esteja sendo implantado qualquer novo regime que não seja de fato plural, participativo e consensocrático.

Se querem que eu participe de qualquer associação, que todos os seus membros se comprometam a ler 1984 antes e aqueles que não forem capazes de ler um livro inteiro, que assistam a alguma das adaptações para a TV ou para o Cinema, quem não tiver assistido poderá não ter consciência de por que está batendo de frente comigo.

Eu peguei o trecho abaixo do Mídia sem Máscara, mas não estou falando do assunto que eles falavam quando citaram, mas confesso, serviu como uma luva profética...

1984

- Como vai o dicionário? - perguntou Winston, levantando a voz para se fazer ouvir.

- Devagar - respondeu Syme. - Estou nos adjetivos. É fascinante.

O rosto se lhe iluminara imediatamente com a menção da Novilíngua. Empurrou a marmita para o lado, apanhou com a mão delicada o cubo de queijo, o pedaço de pão com a outra, e ínclinou-se sobre a mesa, para poder falar sem gritar.

- A Décima Primeira Edição será definitiva - disse ele. - Estamos dando à língua a sua forma final - a forma que terá quando ninguém mais falar outra coisa. Quando tivermos terminado, gente como tu terá que aprendê-la de novo. Tenho a impressão de que imaginas que o nosso trabalho consiste principalmente em inventar novas palavras. Nada disso! Estamos é destruindo palavras - às dezenas, às centenas, todos os dias. Estamos reduzindo a língua à expressão mais simples. A Décima Primeira Edição não conterá uma única palavra que possa se tornar obsoleta antes de 2050.

Mordeu famintamente o pão e engoliu dois bocados. Depois continuou a falar, com uma espécie de paixão pedante. O rosto magro e moreno animara-se, os olhos haviam perdido a expressão de chacota e tinham-se tornado quase sonhadores.

- É lindo, destruir palavras. Naturalmente, o maior desperdício é nos verbos e adjetivos mas há centenas de substantivos que podem perfeitamente ser eliminados. Não apenas os sinônimos; os antônimos também. Afinal de contas, que justificação existe para a existência de uma palavra que é apenas o contrário de outra? Cada palavra contém em si o contrário. "Bom", por exemplo. Se temos a palavra "bom," para que precisamos de "mau"? "Imbom" faz o mesmo efeito - e melhor, porque é exatamente oposta, enquanto que mau não é. Ou ainda, se queres uma palavra mais forte para dizer "bom", para que dispôr de toda uma série de vagas e inúteis palavras como "excelente" e "esplêndido" etc. e tal? "Plusbom" corresponde à necessidade, ou "dupliplusbom" se queres algo ainda mais forte. Naturalmente, já usamos essas formas, mas na versão final da Novilíngua não haverá outras. No fim, todo o conceito de bondade e maldade será descrito por seis palavras - ou melhor, uma única. Não vês que beleza, Winston?

Naturalmente, foi idéia do Grande Irmão, - acrescentou, à guisa de conclusão.

Uma tênue ansiedade perpassou pelo rosto de Winston à menção do Grande Irmão. Isso, não obstante, Syme imediatamente percebeu nele uma certa falta de entusiasmo.

- Não aprecias realmente a Novilíngua, Winston - disse, quase com tristeza. - Mesmo quando escreves em Novilíngua, pensas na antiga. Tenho lido artigos teus no Times. São bons, mas são traduções. No teu coração, havias de preferir a Anticlíngua, com toda a sua imprecisão e suas inúteis gradações de sentido. Não percebes a beleza que é destruir palavras. Sabes que Novilíngua é o único idioma do mundo cujo vocabulário se reduz de ano para ano? Winston naturalmente não sabia. Sorriu, com ar de simpatia (ao que esperava), não confíando em suas próprias palavras. Syme mordiscou outro fragmento do pão escuro, mastigou-o um pouco e continuou: -Não vês que todo o objetivo da Novilíngua é estreitar a gama do pensamento? No fim, tornaremos a crimidéia literalmente impossível, porque não haverá palavras para expressá-la. Todos os conceitos necessários serão expressos exatamente por uma palavra, de sentido rigidamente definido e cada significado subsidiário eliminado, esquecido. Já, na Décima Primeira Edição; não estamos longe disso. Mas o processo continuará muito tempo depois de estarmos mortos. Cada ano, menos e menos palavras e a gama da consciência sempre um pouco menor. Naturalmente, mesmo em nosso tempo, não há motivo nem desculpa para cometer uma crimidéia. É apenas uma questão de disciplina, controle da realidade. Mas no futuro não será preciso nem isso. A Revolução se completará quando a língua for perfeita. Novilíngua é Ingsoc e Ingsoc é Novilíngua, - agregou com uma espécie de satisfação mística. - Nunca te ocorreu, Winston, que por volta do ano de 2050, o mais tardar, não viverá um único ser humano capaz de compreender esta nossa palestra?

- Exceto... - começou Winston, em tom de dúvida, mas parou de repente.

Estivera a pique de dizer "Exceto os proles" mas controlou-se, sem ter plena certeza de que essa observação fosse ortodoxa. Syme, todavia, adivinhara o que ele quisera dizer.

- Os proles não são seres humanos, - disse ele, descuidado. - Por volta de 2050, ou talvez mais cedo, todo verdadeiro conhecimento da Anticlíngua terá desaparecido. A literatura do passado terá sido destruida, inteirinha. Chaucer, Shakespeare, Milton, Byron - só existirão em versões Novilíngua, não apenas transformados em algo diferente, como transformados em obras contraditórias do que eram. Até a literatura do Partido mudará. Mudarão as palavras de ordem.

Como será possível dizer "liberdade é escravidão" se for abolido o conceito de liberdade? Todo o mecanismo do pensamento será diferente. Com efeito, não haverá pensamento, como hoje o entendemos. Ortodoxia quer dizer não pensar... não precisar pensar. Ortodoxia é inconsciência.

Qualquer dia, refletiu Winston, com convicção profunda e repentina, Syme será vaporizado. É inteligente demais. Vê demasiado claro e fala sem subterfúgios. O Partido não gosta de gente assim. Um dia ele desaparecerá. Está na cara.