Vou procurar essa tese na biblioteca, lógico!
Folha - Então exatamente o que é o turismo sexual?
Piscitelli - Os viajantes à procura de sexo querem mulheres que façam programa e também mulheres que não façam. Não é apenas troca de sexo por dinheiro. Há uma romantização, há um jogo de conquista e, às vezes, até sentimentos. A pesquisa me levou a questionar o conteúdo que nós damos à palavra prostituição. Por exemplo, uma moça de classe média que se relaciona com um estrangeiro e é convidada por ele a visitá-lo na Europa, ganha a passagem e um celular, nós não pensamos que está fazendo prostituição. Mas uma garota, por exemplo uma garçonete que recebe presentes de um estrangeiro, é imediatamente vista como uma garota de programa. Então exatamente o que é prostituição? É a troca de sexo por dinheiro? E por que troca de sexo por dinheiro de maneira não imediata para a classe média não é visto como prostituição e para a classe baixa sim?
Folha - Que tipo de sonhos elas têm em relação aos estrangeiros?
Piscitelli - As diferenças, em termos das motivações pelas quais elas se relacionam com os estrangeiros, variam de acordo com a classe social e a idade das mulheres. Mas o sonho de casar com estrangeiros é uma idéia geral do universo feminino de todas as classes sociais. É uma idealização do estrangeiro e uma desmoralização do homem local.
Folha - Que tipo de desmoralização?
Piscitelli - Dizem que os estrangeiros são mais românticos, mais generosos, mais fiéis. Na verdade, tudo o que elas dizem que eles fazem eles fazem mesmo. Mandam flores, presentes, preparam café da manhã, assim como qualquer homem que quer conquistar. O que não deixa de ser uma atitude de sedução para obter sexo.
Folha - Você foi à Itália no ano passado entrevistar o mesmo grupo de garotas com quem havia falado em Fortaleza. Essa visão continuou lá? Qual a realidade dessas moças na Itália?
Piscitelli - O contexto muda completamente. Aquela visão romantizada não existia mais. Eles não eram mais tão bonitos como eram aqui, nem tão ricos quanto pareciam. Muitos são de classe média. As moças que entrevistei na Itália, que eram de Fortaleza, se ocupam de praticamente de todos os trabalhos domésticos sozinhas, com exceção do supermercado. E, além disso, trabalham fora para poderem mandar dinheiro para o Brasil, para a família. Todas as que conheci de camadas média baixa e baixa têm uma interação intensa com o Brasil e muito desejo de ter uma mobilidade social aqui. Então fazem todos os esforços para isso, para, quando vierem para cá, poderem mostrar que 'deram certo' lá.
Folha - A maioria das que foram conseguiram se casar e formar família?
Piscitelli - Do universo com o qual eu trabalhei, sim. Entrevistei moças que tinham conhecido italianos em Fortaleza e os visitaram como se estivessem fazendo programa por um determinado tempo e depois voltavam trazendo dinheiro. Outras que conseguiam apenas presentes e roupas de grife e voltaram sem dinheiro nenhum. As que ficaram lá formaram família. Apenas uma afirmou que amava o marido, e isso era visível. As outras disseram ter carinho, gratidão. Quando elas não conseguem casar, geralmente voltam. Por isso digo que nem todo o universo vinculado ao turismo sexual pode ser considerado prostituição e nem prostituição profissional. Na viagem que fiz à Espanha, no fim do ano passado, para um alargamento dessa pesquisa, falei com moças que já faziam programas aqui e foram para lá para continuar fazendo nas mesmas condições, mas para ganhar em euro. É diferente.
Folha - E as que casaram? Que vida têm na Itália?
Piscitelli - Elas têm um controle enorme em cima delas, pairando sempre o estigma de que podem ter sido prostitutas, principalmente para a família dos maridos. O controle acontece de todos os lados. Elas têm de trabalhar, mas é sempre na loja da família, no supermercado de um amigo, sempre sendo vigiadas. O policiamento corporal também é forte, decotes são censurados. As brasileiras são valorizadas de maneira positiva como sensuais, bonitas, carinhosas. Mas há fantasmas que anulam essa valorização. Um deles é o da exploração econômica e outro, o da infidelidade.
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